E chegamos ao fim da primeira temporada de American Gods, adaptação do livro de Neil Gaiman conhecido no Brasil pelo título de “Deuses Americanos”, obra icônica considerada como um marco na literatura do escritor.

A produção demorou anos para encontrar o tom e a equipe certa para dar vida às páginas do livro, afinal exigia um sentido aguçado de fantasia, além de uma censura altíssima, o que para muitos a tornava impossível de se filmar.

Na trama um ex-condenado, Shadow (Ricky Whittle), viaja pelas estradas dos EUA nos dias atuais repleta de deuses mitológicos da antiguidade, enquanto isso ele presta serviços para o pilantra Wednesday (Ian McShane) e juntos se preparam para uma forte tempestade que surgirá com o confronto dos Deuses Antigos e dos Novos.

É importante ressaltar que essa não é uma série qualquer de fantasia dramática, afinal ela é extremamente fora da caixa e conta com uma mitologia e narrativa jamais vista antes na TV, ou até mesmo no cinema, ela veio para criticar, contestar, inovar e provocar mudanças.

No roteiro somos apresentados ao arco de Shadow Moon que acaba sendo contratado pelo misterioso Wednesday para ser seu braço direito em sua jornada recrutando deuses para se preparem para uma guerra contra os novos deuses que representam tudo que a nova sociedade cultua como mídia, internet, fama e muito mais, afinal para cada crença existe um Deus equivalente.

Em segundo plano vemos o arco de Laura Moon (Emily Browning) e Mad Sweeney (Pablo Schreiber) ser explorado em paralelo ganhando até certo destaque em alguns episódios, Laura quer a todo custo provar seu amor por Shadow e tirá-lo desse meio enquanto Sweeney quer reverter sua maré de azar causada pela perda de sua moeda da sorte. O acaso faz com que se unam e tenham que colaborar um com o outro.

Tudo aqui é bem montado e flui bem, com exceção de talvez um ou dois episódios que perdem um pouco do ritmo, mas não deixam de ser interessante.

As relações entre os personagens são bem construídas e desenvolvidas nos poucos episódios, se mostrando um dos pontos altos da temporada. Seja entre Wednesday e Moon, ou entre Sweeney e Laura, o fato é que são estabelecidas parcerias que perdurarão pela série nos próximos anos que virão.

Mas a produção é mais do que isso, ela é também um intricado quebra-cabeça onde através de pequenos contos em cada episódio descobrimos mais de cada personagem que será importante no futuro da saga, isso talvez possa afastar muitas pessoas afinal como enxergamos a história do ponto de vista de Shadow, ficamos confusos e perdidos em meio aos acontecimentos surreais e fantasiosos. No devido tempo vamos identificando e descobrindo um por um e a mitológica jornada deles, isso é contado através de um tom road-movie, onde caímos na estrada e visitamos cada cultura da Europa e dos EUA, quase como se fosse uma explosão cultural em formato audiovisual, que ainda consegue trazer uma certa crítica a respeito da imigração, entre vários outros assuntos tabus para a nossa sociedade.

E isso nos faz chegar até outro grande charme da produção, os mosaicos visuais da direção de fotografia.

É importante ressaltar que conseguem estabelecer um equilíbrio total da imagem com o som, com cenas muito bem montadas e estruturadas que se assemelham a pinturas antigas devido à forma como dispõe seus elementos em cena ou pela maneira com que conciliam o cru e sombrio com o colorido e psicodélico, é quase como se sintetizassem uma atmosfera que obedecesse às regras e padrões desse universo peculiar de Gaiman que traz fantasia ao mesmo tempo.

O som também apresenta grandes diferenças com sons perturbadores e originais que representam locais, situações e personagens indo desde o uso de sintetizadores até releituras de músicas clássicas da cultura pop.

Outro fator bem colocado é a direção de Arte, que assim como a fotografia e som, também trazem bons tons para a trama, seja pelos cenários muito bem elaborados quanto pelos figurinos de cada personagem, entonando bem a personalidade de cada local ou pessoa que faz parte da adaptação. Apesar disso ainda não se explora com profundidade todo seu potencial, mas com toda certeza haverá melhores oportunidades nas próximas temporadas. O maior acerto da arte está mesmo nos cenários, grandiosos e estilizados.

Agora algo que precisa ser exaltado são as ótimas performances de seu formidável elenco, com nomes como: Ian McShane, Emily Browning, Crispin Glover, Pablo Schreiber, Ricky Whittle, Peter Stormare, Yetide Badaki, Gillian Anderson, Bruce Langley, Orlando Jones, entre vários outros.

Nos 8 episódios do primeiro ano de American Gods acha-se espaço para explorar a atuação de cada um dos atores. McShane entrega uma atuação incrível transparecendo força, carisma e sabedoria com seu trapaceiro Wednesday. Browning é Laura Moon, esposa morta de Shadow que volta do além com novos sentimentos por seu marido e tenta compreender toda essa loucura que está acontecendo, ela é ardilosa, com espírito forte e doce. Pablo interpreta Mad Sweeney, um dos personagens mais divertidos que possui sua jornada de decadência e azar e sempre traz um certo mal humor e seu jeito brigão em suas palavras e claro temos ainda Whittle que representa um pouco da visão do telespectador para a série, pois ele está confuso e tentando compreender a tudo de incrivelmente bizarro que acontece ao redor dele, nos fazendo sentir e pensar como ele.

Do outro lado da trama estão as magníficas encarnações dos antagonistas, vividos por Gillian Anderson, Crispin Glover e Bruce Langley, não há ainda um grande desenvolvimento neles, mas já podemos compreender muito de seus personagens. Langley faz o nojento e mimado Technical Boy, Anderson é a sedutora e dissimulada Media e Glover tem uma performance que oscila entre a insanidade e a calmaria, com o poderoso e respeitoso Mr. World.

Entretanto não podemos esquecer também das breves, mas muito marcantes participações de Orlando Jones como Mr. Nancy, Peter Stormare como Czernobog e Yetide Badaki como Bilquis.

E para finalizar, falemos da direção pontual da série que consegue coordenar tudo isso conciliando aqui, desde as incríveis atuações, até os diversos elementos de roteiro e de fotografia. A produção é quase como se fosse uma grande obra de arte, com pequenos detalhes pincelados nos variados âmbitos da temporada que fazem uma enorme diferença no produto final entregue pela equipe, mais do que um bom e interessante trabalho, ela é obrigatória para muitos fãs do gênero ou do escritor.

Com “American Gods” a Amazon alcança o nível que a HBO conseguiu com “Game of Thrones”, pois estamos diante da que pode ser considerada o maior evento audiovisual visto na TV desde o surgimento de Twin Peaks em 1990. Falar de forma resumida sobre a adaptação de Deuses Americanos é isso, um evento artístico, cultural e fantasioso que quebra diversos padrões e será capaz de ir muito além no decorrer da saga de Shadow Moon e Wednesday, tudo isso é apenas o prólogo de uma grande jornada pela estrada e pela cultura dos Deuses, então aconchegue-se em seu banco, ligue o som do carro e desfrute de cada pequeno momento oferecido pela série, pois as coisas prometem ficar agitadas e frenéticas em breve.

REVER GERAL
Roteiro
9
Direção
10
Atuações
10
Direção de Fotografia
10
Direção de Arte
9
Nascido em São Joaquim da Barra interior de São Paulo, sou um escritor, cineasta e autor na Cine Mundo, um cinéfilo fã de Spielberg e Guillermo del Toro, viciado em séries, leitor de quadrinhos/mangás e entusiasta de animações.