“Os anos 50 foi uma época maravilhosa… Se você fosse um homem”. É assim que se inicia o mais recente filme de Tim Burton “Big Eyes” ou “Grandes Olhos” que conta a história de Margaret uma pintora que teve seu reconhecimento furtado pelo marido ambicioso que assumia crédito por suas obras e ficou famoso por isso. O filme dá umas escorregadas durante o caminho, porém ainda assim é um retrato delicadamente cruel de uma sociedade que formava os homens para calar as mulheres e as mulheres para se deixarem calar.

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Keane (Christopher Waltz) é um homem extremamente carismático e sedutor, ambicioso e inteligente, ele consegue o que quer através desse artificio de conseguir ser quem ele quiser. O personagem, de inicio, parece mais um oportunista que se aproveita do fato de ser homem para ganhar dinheiro e ser admirado afinal “as pessoas não parecem gostar de arte feita por mulheres”, porém seu desenvolvimento o leva ao desequilíbrio. Quando contrariado ele perde completamente o controle. Waltz me pareceu não saber muito o que fazer com o personagem, não há dúvidas da capacidade do ator após seus trabalhos com Tarantino, mas talvez até por uma falha da direção não pareceu haver uma conexão de interesses entre diretor e ator aqui, sua performance é mediana e não chega a atrapalhar muito o andamento do filme.

Amy Adams dá vida à pintora Margaret e está absolutamente impecável, a personagem ao contrario de Keane, foge dos extremos, é complexa e muito interessante, uma mulher que não sabe o que é ser mulher, pois durante a vida inteira estava sob a sombra de outrem.

“Eu fui filha, esposa e mãe”.

Adams entrega uma vulnerabilidade tão genuína que fica difícil não se envolver e torcer para que aquela mulher consiga se desprender das amarras de uma cultura escravizadora.

É importante destacar que não existem vilões e mocinhos tão bem delineados assim, Walter Keane só conseguiu tirar proveito do talento de sua esposa por ter a seu lado uma cultura machista que ensina a mulher a ter o mesmo nome do marido, sem um homem ela não era ninguém, não podia nem ter um nome.

Uma cena me marcou muito e certamente pode representar o conceito central do filme. Após mentir para sua filha dizendo que não tinha pintado um quadro, Margaret procura um padre – sim, mais um homem – para se confessar e dizer que se sentia culpada por isso, que só mentiu por que se sentiu pressionada pelo marido, e o conselho do padre foi o de que o homem é o chefe da família e ela deve ouvi-lo, se o homem da família acha que mentir está certo então mentir está certo.

Algumas cenas me pareceram completamente sem sentido e estranhas, em determinado momento Keane está descontrolado e bêbado e ameaça sua esposa e enteada com palitos de fósforo, talvez houvesse um conceito de dano através de pequenas faíscas, porém a cena me deixou bastante desconfortável e parecia completamente fora de contexto. Além disso, a interpretação de Waltz parecia caricata e estereotipada demais. Acredito que colorização do filme poderia ser mais discreta simulando assim os filmes produzidos durante os anos 50 atribuindo mais veracidade visual à narrativa, fora isso toda a ambientação e figurino estão impecáveis, ao lado do trabalho de voz, expressões faciais e postura de Amy Adams que quem tem certa familiaridade com o cinema clássico hollywoodiano certamente será capaz de admirar.

“Big Eyes” tem suas falhas, porém certamente é um filme que merece atenção, pela sua abordagem sobre arte sendo mercadoria em algumas mãos, sobre o significado dela pra quem a constrói e a aprecia. O filme me prendeu do início ao fim e deixou uma sensação de tristeza e vitória ao mesmo tempo, tendo em vista que mesmo com as mulheres tendo um pouco mais de liberdade para serem ouvidas, ainda são treinadas para serem inseguras e buscarem a aprovação dos homens, em meio a um Oscar esbranquiçado e dominado por homens percebemos o tanto de espaço que ainda há de ser conquistado pelas mulheres, mas ao menos hoje há o direito de revindicá-lo.