O filme dirigido por Fellipe Gamarano Barbosa levanta questões que não são novidade pra ninguém, porém nos últimos tempos tem surgido com mais frequência. A obra se inicia com um plano fechado da “Casa Grande”, um lar exuberante que acolhe um jovem aproveitando a água da piscina ao anoitecer. Iremos entrar em contato com a famosa família tradicional brasileira, conservadora, moralista, machista e encharcada pelo seu discurso meritocrático.

Nosso protagonista é Jean, um jovem imaturo e confuso devido às escolhas que deve fazer. Pressionado pelos pais, ele não se proporciona tempo para pensar, ocupa-se em reproduzir o discurso do pai, pois é o que acredita ser o certo. Jean é privilegiado, estuda em um dos melhores colégios do Rio de Janeiro, mora em uma casa maravilhosa e fomenta planos de estudar nas maiores universidades do Brasil, porém sua família passa por dificuldades financeiras o que a obriga a fazer cortes financeiros em casa. Jean que todos os dias era deixado na porta da escola pelo seu motorista particular Severino, agora é obrigado usar o transporte publico, o que lhe abre os olhos e o força a entrar em contato com uma realidade que ele só conhecia através da televisão.

A discussão trazida pelo roteiro é bastante maniqueísta, o que pode incomodar os mais exigentes, de um lado a família branca que badeja suas conquistas as atribuindo ao duro valor do trabalho, do outro os empregados pobres e negros, cotistas que busca fazê-los enxergar que não é tão simples assim. Acredito que postura exageradamente dualista do enredo o serviu de forma mais positiva do que negativa, ela retrata com mais fidelidade a realidade das discussões que vemos tendo nas mesas dos bares, jantares ou os churrascos de família, os discursos rasos que defendem veementemente verdades prontas, sem qualquer abertura dos dois lados para algo novo.

A fotografia funciona muito bem em prol da narrativa da obra, de inicio é clara e aberta, pois somos apresentados a uma família que embora passe por dificuldades financeiras não abre mão do status, além de seguirmos a visão de nosso protagonista que só enxerga aquele luxo fabricado até ser forçado a entrar em contato com outra realidade que, acompanhada pela fotografia que vai ficando cada vez mais escura leva Jean aos bairros mais pobres e o faz refletir sobre aquilo que recebia como verdades prontas colocadas à mesa por seu pai.

Há uma personagem que chama atenção pela sua falta de protagonismo, a irmã mais nova de Jean parece ser a voz da sensatez, que jamais chegar a ser ouvida em lugar algum. Em uma acena em que a família está à mesa e Jean mostra seu boletim impecável com sua nota nove em matemática, a irmã mais nova murmura que sua nota na matéria é três, e ninguém da a mínima. Na passagem em que as personagens fazem uma discussão um tanto quanto ilustrativa a respeito das cotas, de um lado o discurso meritocrático do pai que ignora completamente diversas variáveis circunstanciais, do outro a fala da namorada de Jean (Luísa) que levanta a bandeira da desigualdade racial, a irmã mais nova tenta se posicionar a favor de Luísa e mais uma vez ninguém oferece credibilidade. Ela parece ser a representação sutil de alguém que busca transcender as falácias, alguém que procura intervir oferecendo mais perguntas do que respostas, todavia as pessoas não costumam se sentir a vontade com perguntas que não são capazes de responder de pronto e por isso arranham verdades cristalizadas e irredutíveis do ponto de vista de um discurso racional.

“Casa Grande” pode incomodar por seus estereótipos, porém a obra oferece um elenco que convence, direção competente e um roteiro simples e aberto que obtém êxito se seu propósito for perguntar. O desfecho do filme nada nos entrega, apenas nos convida continuar imaginando o que se passa e se passará com Jean. A discussão não tem fim nem consenso, ela existe em si, e é alimentada pela desigualdade de classes, e na política de “cada um defende os seus” Jean se vê perdido e em desespero quando é colocado entre essa guerra que ninguém o avisou que existia.