O que é dor? Dor pode ser classificada por uma sensação corporal ou por uma expressão de um sentimento de caráter moral. Mas, e a glória? É a honra, significa que chegou o momento de ser reconhecido por sua magnificência.
Em um misto destes dois sentimentos é batizado o novo filme de Pedro Almodóvar, “Dor e Glória” que inclui várias semelhanças entre o protagonista e o diretor espanhol, a começar pela profissão de Salvador Mallo (Antonio Banderas), o fato de ter uma relação muito intensa com a mãe e problemas de saúde que o atrapalham no trabalho como enxaquecas fortíssimas, depressão e dores de coluna. Colecionador assíduo de obras de arte, o filme é rodado em Pintor Rosales, em Alcobendas localizado em Madri – na mesma rua em que tem moradia. Com isso, podemos classificar este filme como biografia? Não, pois o diretor prefere tratar como uma auto ficção sobre o que faz o alter ego de seu personagem.
O filme retrata a história de Salvador Mallo que ao mesmo tempo que enfrenta seu próprio declínio físico, ele se vê envolto de memórias da sua infância, juventude e vida adulta. Na recuperação de seu passado, ele encontra a urgente necessidade de narrar e, diante disso, encontra também a sua salvação.
O longa resgata as memórias afetivas de Mallo, inclusive várias referências a experiência profissional do diretor da obra, com um roteiro focado em perpassar por seus momentos mais íntimos fazendo com que nós sejamos transportados para momentos profundos de dor e glória do passado que acarretaram em feridas reais no presente.
A produção é uma espécie de nuvem cinzenta, repleta de melancolia, mas que consegue extrair o melhor de Antonio Banderas, que entrega uma das melhores atuações de sua carreira, se não a melhor. Penélope Cruz, como sempre, segue maravilhosa, dedicada e eficiente no que faz, vivendo a mãe do protagonista quando mais jovem. Outro destaque é Asier Etxeandia como Alberto Crespo, que protagoniza um monólogo bem emocionante em uma cena no teatro e também exerce uma participação fundamental na vida de Salvador.
As cenas são repletas de texturas e estampas, identidade muito presente na direção de Almodóvar. Outro recurso que ele utiliza bastante são os flashbacks, mas aqui são bem elencados com a história, já que o seu interesse pelos estudos começa na infância o tornando um leitor veraz, a própria descoberta da sua homossexualidade também é outro ponto catalogado através de flashbacks.
Auto ficção é um termo usado na literatura para definir autobiografias usadas com elementos imaginárias, auto ficção ou não, o filme oferece a sensação de ler as páginas do diário de alguém, é como adentrar no alter ego da definição Freudiana, é uma viagem ao passado, onde as pessoas ainda comtemplavam cartas, quadros, leituras interpretativas e sabiam extrair algo relevante disso tudo. Para a maior parte da geração atual que é refletida pelo imediatismo, pode ser um filme entediante, mas para os que ainda contemplam uma narrativa repleta de camadas que dão margem a um processo de admiração e interpretação , com toda certeza será uma experiência inspiradora e com a presença de um dos beijos gays mais caloros do cinema.