Crítica: Guardiões da Galáxia Vol. 3

“Realmente é muito bom ter amigos”.

Guardiões da Galáxia foi lançado em 2014 e naquela época era um risco para a Marvel Studios que acabavam de se consolidar após o lançamento de Os Vingadores em 2012, não havia nada que mostrasse que era uma boa aposta fazer um filme de comédia e aventura espacial com um guaxinim falante de computação gráfica.

Porém, muitas vezes cinema se trata de instinto e técnica muito mais que testes de mercado ou algoritmos que ditam o que pode ou não funcionar, às vezes é sobre mostrar algo que público precisa e que nem ao menos tem ideia.

James Gunn naquele momento não era um grande diretor, ele tinha feito dois filmes independentes repletos de humor sujo e certa anarquia na produção com Seres Rastejantes (2006) e Super (2010), mas ele se provou ser muito mais ao contar uma história que explorou um mundo nunca visto antes no MCU cheio de músicas pop, carisma, estranheza e um espírito perdido das aventuras clássicas do cinema de 80 e 90.

O grupo mostrou uma família encontrada e caótica que se conectou as pessoas, eles se tornaram um ponto central dos dramas em Vingadores – Guerra Infinita e após termos o diretor saindo da Marvel, se reavaliando com seu passado e experimentando com O Esquadrão Suicida e Pacificador. Assim que voltou nos presenteou com um Especial de Natal e então chegou o momento de terminar sua história com Guardiões da Galáxia em uma aventura repleta de dor, celebração, risadas e com momentos políticos ácidos.

Na trama, os Guardiões da Galáxia estabeleceram uma base em Luganenhum e Rocket (Bradley Cooper) vive atormentado por lembranças de um passado distante que volta a lhe assombrar na forma de conflitos com Adam Warlock (Will Poulter) e Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji) o que leva a um dos membros do grupo a ser ferido gravemente. Agora eles precisarão realizar uma missão perigosa para evitar o fim dos Guardiões da Galáxia.

Percebe-se que Gunn é um diretor muito mais experiente nesse momento, a história tem uma estrutura muito própria que se assemelha a um grande gibi nas telonas sem depender da fórmula Marvel e em certas ocasiões a maneira como executa certas pausas e como decorre de missão em missão lembra a dinâmica que aprendeu em O Esquadrão Suicida, mas ao mesmo tempo mostra uma jornada que percorre a depressão de Peter Quill como também os traumas de Rocket que é onde está a força emocional sombria do longa.

A produção parece ter maior liberdade que qualquer outro filme o estúdio (talvez por ser o último de James Gunn e por ele ter consagrado um grande nome na indústria), aqui por mais que seja uma comédia aventuresca típica do grupo nunca minimiza a dor e se utiliza muito bem do melodrama e do carinho entre as relações dos personagens.

Ao longo desse caminho atrapalhado dessa família caótica há um forte sentimento do fim se aproximando e o roteiro brinca com nossas expectativas em todo momento alterando caminhos e manipulando brilhantemente nossas emoções através da comédia, drama e ação.

Esse é também o mais criativo visualmente e no uso do universo, a parceria com o diretor de fotografia Henry Braham se iniciou em Guardiões da Galáxia Vol. 2 e agora vemos ele sabendo lapidar muito mais os tons de cores e luzes, logo sai um pouco da confusão visual do segundo longa do grupo e sabe alternar territórios diferentes e traz algumas das melhores cenas de filmes de super-heróis.

Tudo sempre com o som sempre acompanhando muito bem, seja para trazer um desconforto ou para criar um clássico momento “estiloso” que a franquia ama fazer com músicas pop trazendo agora títulos como Creep (Radiohead), No Sleep Till Brooklyn (Bestie Boys) e Dog Days Are Over (Florence and the Machine) que conversam com ambientação e desenvolvimentos dos heróis.

Claro que os efeitos digitais também são excelentes e ajudam a dar vida ao mundo dos Guardiões da Galáxia, seja em como modelam o corpo do Groot em um visual de animatrônico oitentista ou no grande realismo cartunesco de Rocket que é um tipo de personagem de desenho animado com nuances reais bem detalhadas nas expressões do rosto e corpo.

Isso tudo não funcionaria se o filme não soubesse também o valor dos efeitos práticos, esse é um filme que contém mais efeitos de maquiagem e fantasias em muito tempo no cinema, o bizarro e o fantástico estão por todo o lado desse universo e destoa positivamente de todo o resto da Marvel atual.

Tudo isso funciona por conta que a direção define bem os tons de cada sequência, há os momentos cômicos e há os momentos sérios e o efeito está sempre bem adequando ao clima que a cena busca em cada situação saindo da sensação deslocada que Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania parecia em vários ocasiões e tendo mais honestidade que Thor: Amor e Trovão, além de um certo adicional de horror em vários momentos seja pelo visual de monstros ou pelo som de ossos sendo quebrados.

Mas não há como falar desse filme sem falar da presença assustadora do vilão de Chukwudi Iwuji com uma mistura de cientista nazista com uma figura de filme trash, ele é detestável em sua busca por perfeição dialogando com abusos de animais, eugenia, temas como a busca do divino e o filme ainda debate uma ideia de corporações enxergando apenas propriedades sem corações.

E o que nos assusta é como se trata possível existir tais atrocidades em nosso mundo, seja pela figura calcada pelo ódio (algo que nós brasileiros vimos bastante nos últimos anos) ou pelo fato de corporações abusarem de um poder em exploração de diversas vidas, logo faz muito sentido que os heróis são marcados por amor e empatia além de forte compreensão aos diferentes, os estranhos e os perdidos.

Ao longo da jornada contida dessas missões e dos dramas dos personagens vemos cada um deles ter seu devido espaço, seja nas dinâmicas de Mantis (Pom Klementieff) e Drax (Dave Bautista) ou no crescimento pessoal de Peter Quill em uma das melhores atuações de Chris Pratt ou na forma como Gamora de Zoë Saldaña olha de fora para toda essa família tentando compreender seu funcionamento e valor.

Contudo, Adam Warlock é um recurso um tanto funcional e que traz uma conexão temática sobre pessoas perdidas e a busca de família, mas pode soar meio deslocado às vezes, o que compensa é por ser bem trabalhado na atuação de Will Poulter que traz graciosidade e humor na medida certa.

Essa é uma despedida dos Guardiões da Galáxia feita do jeito certo nos lembrando do que gostamos deles seja a aventura de 2014 ou as relações mais profundas da sequência, mas também é a partida de James Gunn da Marvel agora muito mais maduro e trazendo momentos cativantes para todos os seus personagens em clima de fim dos “Beatles” e com participações especiais típicas de atores conhecidos do diretor.

Mas tudo sendo muito bem equilibrado em momentos específicos construindo uma experiência única, desde 2014 acompanhamos eles crescerem e agora através dos olhos de Rocket e do trabalho corporal de Sean Gunn e de voz de Cooper, nós vemos as mensagens sobre a importância da empatia e do amor em um mundo cheio de ódio e dores sendo elevada ao máximo enquanto nos diz para seguir em frente com a vida e ser feliz, o que começou como uma paródia dos heróis se transforma no heroísmo clássico.

Guardiões da Galáxia Vol. 3 é corajoso e tem peso em sua ação como também é sincero em suas emoções, desconfortável quando necessário e muito criativo mostrando um coração que há muitos anos não víamos dentro do MCU, pode ter seus excessos devido ao tom de “história final” e mesmo nisso podemos ver um cárater humano passando longe de ser mais um produto de uma máquina.

Acredito que com o tempo essa primeira trilogia do grupo certamente entrará para história e será muito revisitada no futuro seja pela ousadia ou humanidade, esses filmes tornaram cada pessoa que acompanhou esses desajustados em membros de sua família atrapalhada e amorosa. Parafraseando um grande sábio:

“Nós somos Groot”.