Para muitos que acompanham os lançamentos do cinema de forma assídua, “O Rastro” deve estar na lista dos mais aguardados. O simples fato dele ser nacional e explorar o gênero terror, que é frequentemente esquecido em nosso país, já o torna ousado e igualmente interessante.
Ambientado em um hospital prestes a ser desativado, a história acompanha o médico João (Rafael Cardoso), que está responsável pela transferência dos últimos pacientes da UTI. Em meio a esse contexto, uma garota desaparece e João precisa conciliar seu trabalho, com as procuras em busca da menina e ainda auxiliar sua esposa (Leandra Leal) que está gravida.
Como já sugere a sinopse, o protagonista é o próprio hospital e é ele que conduz toda a trama e os conflitos, por mais que João seja o mais afetado. O roteiro como dito pelo próprio autor, sofreu adaptações e uma dela foi a escolha da ambientação, que antes seria em uma fazenda ou casa isolada, mas no intuito de trazer uma ótica nacional optaram pelo hospital, e com isso levantaram questões importantes como o sistema público de saúde. Essa decisão foi crucial, pois quando peneiramos os defeitos, o saldo positivo do texto está em sua maior parte contido nessas questões reflexivas que ele levanta, mas não é só isso… Temos aqui personagens interessantes e relações muito bem estabelecidas, e graças a elas criamos uma conexão rápida com os conflitos.
O elenco é um dos detalhes que mais assusta a audiência antes de ir ao cinema, uma vez que a grande maioria dos atores e diretores nacionais não possuem experiência no gênero é comum que os resultados não sejam agradáveis nesse aspecto, e na maioria dos casos, não são. No entanto aqui temos uma grata surpresa com atores grandiosos e atuações excelentes. Rafael Cardoso comprova seu talento e entrega uma atuação cheia de nuances, que vai evoluindo de acordo com a loucura do personagem, é um trabalho de notória qualidade. Já Leandra Leal, dispensa comentários e consegue surpreender até mesmo aqueles que acompanham o seu trabalho e sabem o quão talentosa ela é. Por fim ainda temos Claudia Abreu, Jonas Bloch e a jovem Natália Guedes, que estão confortáveis em seus respectivos papeis, nos dando uma sólida compreensão de seus complexos personagens.
A direção de J. C. Feyer acerta o tom do filme, desde a sua estética até na direção dos atores. Ainda assim, o longa se excede no uso dos “jump scares” que muitas vezes superam as justificativas do roteiro e tornam-se gratuitos, mesmo que alguns deles realmente assustem.
A direção de fotografia é um dos charmes da obra. Temos aqui um trabalho executado com maestria e com poucos recursos, pois é quase todo gravado em luz natural, e nada disso impede a criatividade de Gustavo Hadba que usa e abusa de ângulos e enquadramentos pitorescos, que por diversos momentos colocam o público na posição de alguém que espiona os acontecimentos em foco. A paleta de cores é fria e azulada, o que aumenta o clima sobrenatural e mantém o filme em um ritmo frenético de tensão. Além de tudo, ainda temos um uso frequente dos reflexos promovidos pelos espelhos, algo que brinca com a nossa percepção dos acontecimentos.
A direção de arte também faz um belo trabalho e consegue desenvolver um cenário realmente assustador, mesmo que a locação decadente já colabore com isso. O visual dos personagens é gradativamente corroído pelos acontecimentos, e tudo isso fica bem evidente pela maquiagem e o suor constante no rosto dos personagens.
O Rastro é um filme assustador, com uma história surpreendente e que ainda levanta várias questões pertinentes a realidade do nosso país. Se você quer se assustar e se envolver com uma história original, esse filme é para você.