Crítica: Os Filhos dos Outros

Em Os Filhos dos Outros encontramos um drama que busca tratar sobre a maternidade, crises adultas e feminilidade de uma forma bem original ao narrar a história de Rachel (Virginie Efire), uma professora de 40 anos que ama sua vida com suas aulas de violão, os seus relacionamentos e o seu trabalho, ainda assim ela anseia por ter filhos e tem medo do seu tempo está acabando para ser mãe.

Mas ao se apaixonar por Ali (Roschdy Zem), ela começa a se envolver emocionalmente com a filha dele (Callie Ferreira Goncalves) e passa a viver uma relação cativante e turbulenta ao assumir o papel de uma madrasta e precisar competir pela atenção de uma jovem que não possui fortes ligações com ela.

Esse é um drama cheio de crueza e beleza nas relações, existe um certo bom humor nas interações sem configurar exatamente como uma comédia dramática, afinal a trama se foca muito em questões bem profundas sobre como ocorrem nossas conexões na vida e por ter um certo existencialismo ao redor da busca de Rachel para se tornar uma mãe.

A direção de Rebecca Zlotowski opta com muita sabedoria por narrar apaixonadamente e sem pudores ou tabus, não há caminhos fáceis ou “vilanização” nos personagens ao fazer essa reflexão sobre relógios biológicos e o patriarcado. Tudo acaba sendo extremamente bem entregue nas atuações charmosas e realistas de Virginie Efire, Anne Berest, Roschdy Zem, Victor Lefebvre, Chiara Mastroianni e uma pequena e talentosa Callie Ferreira Goncalves que trazem tanta emoção quanto carisma nas passagens da vida cotidianas das relações entre eles.

A câmera acaba sendo quase invisível, mas se torna um complemento para o longa que busca trazer uma certa sinceridade e humanidade nas conexões que temos na vida. Mas também sabe exatamente quando extrair sensualidade de um casal, afeto de familiares, um senso de humor natural de conversas calorosas ou até mesmo naquelas breves reações no olhar de quem tem algo engasgado e não irá dizer nada naquele momento.

A relação que Rachel aos poucos desenvolve com a pequena é tão adorável como também é indigesta, pois crianças podem falar coisas que a machucam sem nem mesmo perceber e isso coloca também Rachel em uma situação complicada já que não poderia exigir nada de uma criança.

A premissa desse filme era um território muito fácil da história se tornar exagerada ou apelativa, mas como há um controle tão bom da jornada de Rachel que nunca se perde entre seus temas fazendo com que a gente compreenda aos poucos o lado da madrasta em uma estrutura familiar e como isso pode ser doloroso para ela.

Ao mesmo tempo, dentro do roteiro de Rebecca Zlotowski vemos mensagens claras sobre a crise dos 40 anos e as obsessões que podem ser criadas, Rachel sente uma necessidade na maternidade e isso acaba por lhe consumir e fazer com que deposite esperanças em certas relações amorosas sem perceber que talvez haja mais na vida que isso.

Toda a força desses temas acaba por se concentrar muito na atuação de Efire, esse é um filme que é elevado por sua atriz que é um grande veículo da história ao nos passar informações e conclusões muito mais por gestos e reações do que por um texto didático, ao fim do longa ao ver aquela expressão no rosto de Rachel é algo bem claro.

Podem existir formas tão poderosas de passar adiante o que é seu para outra geração, a maternidade não precisa ser o único caminho e nem a fonte de obsessões ou desesperos para que nos sintamos mais satisfeitos com a vida.

Os Filhos dos Outros já está em exibição nos cinemas.