Atualmente, vivemos em um momento no qual o cinema de blockbusters chegou ao seu auge, e com isso o padrão dos filmes vai além de um simples entretenimento, buscando também apresentarem narrativas realmente inovadoras e menos padronizadas. Não estamos falando do mesmo nível de complexidade de um filme independente, afinal o intuito principal aqui é dominar as bilheterias mundiais, no entanto, a clássica fórmula do herói que salva a mocinha no fim da aventura, já não cabe mais nos dias de hoje. Com Pantera Negra, notamos um passo ao futuro dos filmes de super-herói, com escolhas arriscadas e uma trama que sabe entreter, mas faz isso de um forma rica de conteúdo.
Na história, somos apresentados ao complexo universo de Wakanda, conhecido pela maioria como um detalhe dentro do vasto continente africano, mas que na verdade é um símbolo de progresso social e tecnológico escondido pelos nativos como uma forma de proteção de sua cultura. No momento em que o filme se situa, o povo de Wakanda acaba de perder o seu rei e precisa eleger o novo comandante, que por questões de sucessão, seria T’Challa (Chadwick Boseman), assumindo assim o posto do Pantera Negra.
Toda a figura heroica acerca da Pantera tem origens religiosas e tradicionais do povo de Wakanda. Eles acreditam que essa é uma força ancestral e que deve ser entregue ao rei para que ele tenha a força necessária para proteger a nação. Além disso, o herói conta com uma armadura especial, projetada com a rica tecnologia da região.
Se você pensa que esse filme é sobre um herói salvando o mundo, como em diversos outros títulos lançados nos últimos 5 anos, está completamente enganado. Pantera Negra é sobre uma cultura que para sua sobrevivência precisa abrir mão do conservadorismo. É sobre um povo que foi frequentemente ameaçado e agora detém o poder de solucionar grandes crises mundiais. Essa é um história sobre a colisão do pensamento antigo com o novo e, naturalmente, como um detalhe circunstancial, acompanhamos o nascimento de um herói em meio à uma guerra civil iminente.
Os personagens do longa são todos essenciais e bem desenvolvidos na história, inclusive o próprio vilão, interpretado com muito esmero por Michael B. Jordan. O herói vivido por Chadwick Boseman, é representado com eficiência e conta com um belo amadurecimento ao longo do filme. Porém são as mulheres que roubam a cena, tanto com as personagens carismáticas e de personalidades complexas e distintas, Nakia, Okoye e Shuri, como pelas respectivas atuações de Lupita Nyong’o, Danai Gurira e Letitia Wright, que estão completamente imersas em seus papéis.
Sterling K. Brown faz algumas pequenas aparições como N’Jobu e mesmo nesses poucos minutos em tela ele já consegue comover o mais frio dos expectadores. Andy Serkis também tem seu momento como o lunático Ulysses Klaue e consegue esbanjar seu talento em um trabalho que traz um grande domínio de voz, algo que nós sabemos que ele faz muito bem.
É importante salientar que, Pantera Negra, enquanto um filme de guerra, jamais se preocupa em estabelecer dualidades entre bem e mal. Todos os conflitos são relevantes e os personagens tomam atitudes coerentes com as suas personalidades e valores éticos e morais. Não se trata de certo ou errado e sim de visões diferentes acerca de um governo que será estabelecido. Essa atmosfera complexa é muito bem aplicada tanto pelo roteiro, como principalmente, pela direção de Ryan Coogler, que entrega um blockbusters acessível para todos os públicos, mas com mensagens maduras sobre empatia e respeito.
A ambientação do filme é deslumbrante, pois conta com um estudo profundo acerca da cultura africana para, somente a partir disso, construir o universo autentico de Wakanda. Além do teor cultural e regional, o local também é dotado de construções estonteantes e aparelhos altamente desenvolvidos que refletem ao imenso avanço tecnológico dessa nação. A mesma ternura é aplicada aos figurinos e à maquiagem, que contam com diversidade de cores e combinações, muitas vezes utilizadas para distinguir a hierarquia entre os moradores, ou simplesmente denotar a tribo da qual o individual em questão pertence.
Toda a imersão cultural do filme também é promovida por pequenos detalhes e estudos fornecidos pelo roteirista, como os rituais religiosos que refletem muito à cultura africana, além da trilha sonora, que é talvez, um dos pontos mais apreciativos do longa-metragem. Aqui escutamos uma grande variedade de sons que dizem muito sobre esse povo, mas que quando viajam até a Coreia do Sul, por exemplo, somos rapidamente regionalizados e nos deparamos com um pop tipico da região. São pequenas particularidades como essas que tornam o filme tão rico e superior aos seus colegas de bilheteria.
Detalhes requintados também marcam a fotografia do filme, como movimentos que brincam com o dinamismo dos momentos de ação, além de planos abertos que exploram todo o sofisticado universo de Wakanda.
Pantera Negra é o filme que o cinema de herói precisava, pois ele foge das fórmulas repetitivas do gênero e explora seus personagens com motivações profundas e personalidades divergentes. Esse também é um simbolo de empoderamento, com um leque de figuras negras em papéis de destaque e promovendo reflexões sobre esse grupo que, fora de Wakanda, é frequentemente marginalizado e perseguido até por aqueles que deveriam exercer a função da justiça, mas ao invés disso assumem a figura de opressor.