Esse é um dos lançamentos mais polêmicos desse inicio de ano, não apenas pelo tema que ele aborda, mas também por ser uma adaptação de uma obra de Guilherme Fiuza que é um jornalista conhecido por seus comentários envolvendo seu posicionamento político.

Recentemente o clássico festival de cinema de pernambuco, Cine PE, foi adiado por conta de um boicote de alguns cineastas que acreditavam que tanto esse filme, quanto o “O Jardim das Aflições” estariam ali como panfletagem política, e não como uma obra artística. Dito isso, é importante esclarecer que o cinema como uma expressão artística, é também uma manifestação política e cultural de seu autor, seja de forma explicita ou não. Negar isso é tão inocente quanto acreditar em imparcialidade no jornalismo. Portanto, esperar que “Real” traga uma trama isenta de influências é descabido.

A história do filme retrata a implantação do plano real no Brasil há cerca de 20 anos. Diferente do que muitos sugerem, a trama não foca em nenhum dos presidentes que estavam no poder durante o processo, e sim nos economistas que desenvolveram o projeto, especialmente Gustavo Franco, e é justamente aqui que está o charme da obra.

O roteiro é bem desenvolvido e ágil, conseguindo conter as expectativas do público na medida certa, sem se tornar cansativo. A história é contada com transições temporais, coordenadas por uma entrevista ficcional. Os diálogos por outro lado acabam caindo em alguns momentos inconsistentes, mas não chegam a denegrir o conteúdo. O maior destaque do texto está na forma com que ele desenvolve o personagem de Gustavo Franco, claramente o protagonista, mas um homem extremamente problemático que dificilmente inspira empatia no público. É fácil se convencer da inteligencia do rapaz, mas dificilmente conseguimos torcer para alguém arrogante, egoísta e, em partes, até inescrupuloso.

No elenco temos atuações impecáveis como a de Emílio Orciollo Netto (Gustavo Franco), que constrói um personagem cheio de camadas e o desenvolve de maneira delicada e notável, de forma que nós conseguimos perceber como o processo político o afetou ao longo dos anos. Paolla Oliveira interpreta Renata, a esposa de Gustavo, e além de entregar um ótimo trabalho, a personagem ainda possui um papel extremamente importante na obra, expondo a intimidade do protagonista e o desarmando, mostrando o ser humano comum e falho que ele esconde em seu interior. Denise (Mariana Lima), a sua assistente, é outro ponto importante pois interage de forma inteligente com Franco, desenvolvendo uma química gradual durante o crescimento de sua carreira, até ter a intimidade necessária para o criticá-lo se necessário.

A fotografia em algumas cenas acaba caindo em uma estética clichê na maneira com que contempla os personagens, mas se sobressai nos momentos íntimos, quando propicia a captação pontual das expressões profundas dos personagens durante discussões mais calorosas, momentos esses em que o roteiro usa muito bem o recurso do silêncio.

A direção de arte, igualmente inteligente, sabe usar o cenário a seu favor sem que ele permaneça no comum, algo que acontece com frequência quando temos um filme que retrata um ambiente já conhecido. Felizmente não é esse o caso, e temos uma produção atenta aos mínimos detalhes da composição, seja ela em um quadro posicionado nas costas do protagonista durante uma decisão importante ou na construção de seu escritório, mudando ao longo do filme.

Tanto a direção de Rodrigo Bittencourt como o roteiro de Mikael de Albuquerque imprimem uma visão interessante na obra, mesmo que como dito a imparcialidade seja algo inalcançável, o filme consegue contar a história de Gustavo Franco sem necessariamente suavizar um lado da história ou atacar o outro, longe disso. O filme se impõem sem a necessidade da polarização.

O diretor conduz bem o ritmo da trama, principalmente na escolha das trilhas sonoras que agregam um ritmo empolgante e conseguem desenvolver uma atmosfera de tensão psicológica instigante. Na hora de guiar o elenco percebemos alguns exageros na representação dos ex-presidentes, Itamar Franco (Bemvindo Sequeira) e Fernando Henrique (Norival Rizzo), seja por alguns diálogos artificiais ou pela própria postura que poderiam ter sido melhor desenvolvidas, tanto por ele como pelos dois atores.

O maior erro do filme está em seu próprio título e em seu trailer que promove a implantação do plano real como o cerne da obra, sendo que o protagonismo mesmo é de Gustavo Franco, que tem a sua vida completamente mudada após receber a oportunidade de trabalhar nesse projeto carregado de responsabilidades.

Por fim podemos dizer que “Real – O Plano por trás da História” é um bom filme tanto para quem quer se divertir como para quem quer ter uma leve noção sobre esse período conturbado.

Confira a nossa entrevista com o elenco do filme:

 

REVER GERAL
Roteiro
7
Direção
8
Atuações
8
Direção de Fotografia
9
Direção de Arte
10
Criador e editor da Cine Mundo, trabalho com conteúdo online há mais de 10 anos. Sou apaixonado por filmes e séries, com um carinho especial por Six Feet Under e Buffy The Vampire Slayer.