Alerto de antemão que aqui, caro leitor, você não encontrará uma explicação palpável que justifique completamente a complexidade da história de Nemo Nobody, a única certeza que tenho é que cada espectador se entrega de forma de singular, e seu desfecho torna-se igualmente único, a começar pelo “Ninguém” no nome de Nemo, que não é ninguém porque é todo mundo, uma tentativa de colocar o espectador em seu lugar.
A jornada que assistimos é o processo de descoberta do protagonista, que vai se escolhendo aos poucos, começando por seus pais, e até a vida que leva. O filme evidencia três dimensões (não são as únicas, mas as mais recorrentes), onde em cada uma o Nemo Ninguém é alguém diferente.
Um seriado que gosto bastante (One Tree Hill) certa vez levantou a questão: “Nós fazemos nossas escolhas ou são elas que nos fazem?”. Partindo do principio de que as duas coisas estão interligadas é possível inferir que Nemo é Ninguém, porque ainda não “se fez” ainda não escolheu quem ele quer ser, o(s) nosso(s) protagonista(s) não existe, é apenas uma possibilidade.
“Who are you?”
“I am Nemo Nobody, a man who doesn’t exist”
A ilusão de Nemo gira em torno da “não escolha”, enquanto não se escolhe tudo permanece possível, entretanto não escolher é em si uma escolha, e como tal gera consequências que prologam os questionamentos desse garoto que está tentando se construir.
Uma boa forma de acompanhar a não linearidade do filme sem se perder é atentar-se ao padrão de cores que nos guiam diante das dimensões de Anna, Elise e Genie. Nos trilhos do trem vemos Nemo tendo que enfrentar a primeira grande escolha de sua vida (se é que escolhas pequenas existem) onde precisa decidir se irá ficar com o pai ou com a mãe. Por conta da sua capacidade de ver o futuro, Nemo é capaz de conhecer o que aconteceria a partir de cada escolha que fizesse.
Escolhendo a mãe Nemo viverá sendo meio irmão de Anna que é representada através da cor vermelha e/ou rosa, nas quais temos pistas observando o padrão de cores do próprio trem (vermelho + branco = rosa) e a cor da roupa de sua mãe, que também é rosa. Nessa realidade Nemo viverá uma romance adolescente muito forte com Anna, terá problemas com sua mãe e ganhará dinheiro vivendo como um limpador de piscinas.
Enquanto corre para alcançar a mãe no trem, Nemo pode perder o seu sapato azul, cor que representa Elise, e viver cuidando, inicialmente de seu pai, posteriormente de Elise que desenvolve uma depressão na fase adulta, (acho interessante ressaltar que o azul de Elise muda e uma cor mais viva na adolescência, para o azul escuro, mórbido na fase adulta que agora representará frieza, a tristeza na qual ela está imersa pela vida que escolheu).
. Dentro da realidade de Elise, quando rejeitado, Nemo decide ficar rico e se casar com a primeira garota que dançar com ele, é interessante perceber o jogo de cores no momento em que isso acontece, Elise está na festa não mais usando um vestido azul, e sim verde (azul + amarelo), amarelo como sendo conhecida por ser a cor da prosperidade e riqueza será a cor que denunciará que estamos dentro da realidade de Genie.
Acima de tudo, acredito que o filme é reflexivo e tem como objetivo a inquietação do espectador ao notar que todas as escolhas são importantes, há quem destaque os elementos de ficção cientifica presentes na obra, ou quem dê mais atenção ao romance entre Nemo e suas três mulheres, mas acredito que tudo isso é um pretexto que nos desperta à ideia de que não existem pequenas decisões, tudo é significante, tudo transforma e é impossível não se sujeitar a escolha.
Na cena em que está na praia com Anna, Nemo a trata mal e naquele momento a perde, mas seguida “volta no tempo” diz a coisa certa e uma nova vida com outras possibilidades o espera.
Em algum lugar eu vi/li/ouvi alguém declarar “Se pudéssemos voltar atrás jamais iriamos para frente” e com o Senhor Ninguém eu aprendi que: “Tudo poderia ter sido outra coisa, e seria igualmente importante”. Não existem escolhas erradas, nós fazemos escolhas e elas nos fazem, o que vem primeiro eu não sei, mas não acho que isso não importa, o que é importante é perceber que o medo de escolher nos transforma em Ninguém, onde tudo permanece possível, mas nada se concretiza e tudo é ilusório.
A trilha sonora do filme é outro personagem que contribui de forma magnífica para a trama entrando nos momentos certos atribuindo em alguns momentos uma sensação nostálgica e onírica brincando com a realidade do irreal. Outros dois aspectos técnicos que são capazes de chamar atenção de olhares tão leigos quantos os meus são montagem e fotografia, a primeira por dar a noção da confusão que se passa em meio aos pensamentos e fantasias de Nemo, a nada linear forma de contar sua história talvez seja um dos principais fatores que a deixe tão interessante, deixando o espectador intrigado desde o início do filme, até ser fisgado não por uma ou duas, mas várias histórias diferentes, com desfechos diferentes e Nemos diferentes.
A direção de arte nos ajuda a nos situarmos dentro desses devaneios de Nemo, com um visual colorido Sr. Ninguém cresce dentro de si e chama atenção por seus detalhes, há tanta coisa acontecendo na tela, que um vaso vermelho sendo estilhaçado no chão pode ter mil significados, assim como cada e qualquer interpretação que venha a surgir a partir dessa obra, todas as explicações estão corretas, assim como Nemo viveu todas as suas vidas, sendo elas reais ou imaginárias.
Você pode chamar o filme de Jaco Van Dormael de ficção cientifica, e dizer que se trata sobre realidades paralelas e viagens no tempo, você pode dizer que é um romance acerca de um rapaz que precisa escolher entre três mulheres, pode chama-lo de um convite à discursão existencialista sobre o que é real e o que não é, o que existe ou não existe, aliás, o que é que NÃO existe? Ou pode dizer que esse filme pode ser o que quiser, pode ser azul, amarelo, vermelho, pode até ser outra cor, que ainda não foi descoberta.