“Quanto mais você manter um caso em público, maiores são as chances de resolvê-lo”.
Três Anúncios Para Um Crime chegou aos cinemas cheio de força e estilo, provando os motivos pelos quais ele vem sendo tão comentado e nos mostrando a razão de receber tantos prêmios como Globo de Ouro e BAFTA, além de suas diversas indicações ao Oscar de 2018.
Primeiramente é preciso dizer que o filme passa bem longe de ser aquela obra comum hollywoodiana que vemos sendo lançados todo ano. O longa de Martin McDonagh mistura conceitos como humor negro, faroeste e drama familiar de forma admirável.
Confesso que quando vi o trailer pensei ter uma certa ideia do caminho que a história iria tomar, mas seu desenvolvimento a levou para um lugar que eu nem ao menos poderia imaginar, foi um impacto que somente tinha visto em produções de Joel e Ethan Coen, como Fargo, Inside Llewyn Davis – Balada de Um Homem Comum e Onde Os Fracos Não Tem Vez.
No filme, Mildred Hayes (Frances McDormand) decepcionada com a polícia que não encontrou o culpado pelo assassinato e estupro de sua filha, ela decide alugar três outdoors em uma estrada e promover sua indignação com o descaso dos policiais, entretanto seu ato acaba por provocar reações violentas, extremas e perturbadoras por toda a cidade.
O roteiro possui um bom equilíbrio de drama e humor negro e segue traçando o caminho de Midred Hayes em seu dia-a-dia lidando com as consequências de seus atos que causaram um “efeito borboleta” de ódio e dor por toda a região. No entanto, é através dos diálogos e personagens que entram e saem, como James (Peter Dinklage), Robbie (Lucas Hedge) e Jason Dixon (Sam Rockwell), que vemos a verdadeira natureza da produção em uma segunda camada que cresce absurdamente nos levando à um clima de caos e desespero onde é revelado facetas, não só dos protagonistas, como também de toda a cidade.
É preciso ressaltar, contudo, o tom do filme que possui ares de faroeste embalados em uma trilha marcante que contextualiza com o cenário do Missouri, mas essa é uma história pesada que nos leva ao âmago da dor e remorso com pontuais alívios cômicos na forma de vergonhosas e estranhas situações, tal proeza é muito bem alcançada pelo ótimo desenvolvimento de personagens, que além de caricaturais e divertidos, são também devidamente profundos e sombrios.
Um dos maiores acertos do filme está na escolha do elenco. Peter Dinklage é o educado e charmoso James, enquanto Woody Harrelson vive Bill Willoughby, um típico delegado pai de família que precisa conciliar o trabalho estressante com os seus problemas familiares. Ambos têm boas performances, mas seus personagens são apenas pontuais para viradas do script, o grande destaque fica para a dupla McDormand e Rockwell.
Frances McDormand é Mildred Hayes, uma mulher que em nenhum momento se porta como uma vítima, afinal ela é durona, mal-humorada e ousada. McDormand demonstra muito bem as emoções internas de remorso, desespero e violência que se revelam no decorrer de sua jornada, mas ao mesmo tempo ela ainda consegue impor um certo tom de humor e carisma, nos contagiando por sua personalidade marcante.
Sam Rockwell tem um papel difícil e de vital importância para a trama no corpo de Jason Dixon, um oficial atrapalhado, racista e ignorante que nutre um certo desprezo por quase todos que cruzam o seu caminho, entretanto é através dele que vem alguns dos melhores momentos do filme, todos muito bem personificados por Rockwell, um ator já acostumado com personagens espalhafatosos e caricatos, mas que aqui expõe duros sentimentos, nos conectando com o seu arco dramático que cresce e torna-se um dos melhores personagens do cinema atual e o melhor da carreira do ator.
Os demais nomes do elenco, como Abbie Cornish e John Hawkes, entregam boas atuações que, apesar de não se destoarem do resto, são utilizadas mais para complementarem certos arcos do filme.
O visual da direção de fotografia trabalha com diferentes tons para finalidades específicas, o thriller quase sempre se apoia em ambientes cobertos pelas cores azul e vermelho que nos colocam sintonizados a violência extrema e os sentimentos profundos de dor dos vários personagens, com determinados usos de sépia para contextualizar com o cenário pacato de uma cidade sulista. A produção ainda consegue fazer um bom uso de enquadramentos e ângulos e planos abertos, trabalhando com conceitos de solidão, assim como os tradicionais closes que intensificam as performances do elenco e algumas técnicas bem curiosas e não muito convencionais que dão uma personalidade excêntrica para a trama.
A direção de arte explora bem o uso dos figurinos para nos mostrar detalhes sobre os personagens, seja no visual despojado e simplório da Mildred Hayes, as elegantes e formosas roupas de James e o visual de homem do interior de Dixon, as vestimentas fazem um importante papel aqui de trazer um pouco da essência de cada um dos protagonista à tona sem que precise gastar linhas e mais linhas de diálogos para desenvolver tais elementos. Os cenários também são bem estruturados e casam perfeitamente com o tom cru e realista do interior dos EUA, explorando bem a temática da produção e nos ambientando no espírito das situações violentas vividas por Hayes.
Com uma direção certeira de Martin McDonagh, o filme se consagra como um conto de drama e humor negro com elementos de faroeste, dois estilos difíceis de equilibrar e o cineasta não só consegue fazer eles fluírem bem entre si, como também extrai atuações extraordinárias de McDormand e Rockwell, os tornando a alma de sua produção.
Três Anúncios Para Um Crime é um filme bem singular que caminha livremente por gêneros diversos com muito cuidado, nos deixando com uma marca pesada, mas que graças ao ótimo trabalho de McDormand, Rockwell e de McDonagh esse filme pode ainda nos divertir, impressionar e até mesmo nos fazer refletir sobre a dureza da vida e os comportamentos humanos.