O preconceito contra transexuais gera grandes barreiras, muitas vezes impedindo que a pessoa tenha acesso a locais que são de seu direito, provocando situações terríveis e desesperadoras, que com certeza já foram vividas por muitas pessoas ao redor do mundo.

O que temos em “Uma Mulher Fantástica” (Una Mujer Fantástica) é uma obra de ficção que trabalha essas questões trazendo uma história brutal, íntima e emocional de uma forte mulher que luta pelo direito de prestar seus sentimentos pelo falecido parceiro, sendo perseguida e humilhada frequentemente por querer expressar seu luto.

A trama fala sobre a garçonete, Marina (Daniela Vega), mulher trans que namora um homem bem mais velho, Orlando (Francisco Reyes), com o falecimento dele ela deverá lutar pelo seu direito de luto, mas o desprezo, preconceito e descrença da família dele e da sociedade, será um grande obstáculo para essa determinada mulher.

Tudo aqui foi muito bem conduzido pelo diretor Sebastián Lelio, ele sabe tornar cada personagem em um coadjuvante da jornada introspectiva de Marina, algo que é o principal foco da produção, coordenando a carismática, forte e interessante mulher, e a sua luta diária por sobrevivência em uma sociedade preconceituosa. Há certos momentos inconvenientes no direcionamento do desfecho, um erro tanto do diretor como de seu roteirista.

O roteiro por sinal é composto por diversos momentos que não só mostram a crueza da vida de Marina, como também expõem toda a sinceridade de seu amor pelo namorado. Os empecilhos não param de surgir, e é provável que ela passe toda a vida enfrentando tais problemas.

Contudo o roteiro não é isento de falhas, afinal ele flui muito bem nos dois primeiros atos da história, sendo bem desenvolvido e envolvente na medida certa, porém ao chegar no terceiro ato os problemas surgem e se arrastam por muito tempo, de forma que o longa parece não saber quando deve terminar, o que acaba cansando e tirando um pouco da força da jornada de Marina.

Há atuações na medida certa aqui, com uma função de representarem pontos de vistas como o de Amparo Noguera como Adriana, Nestor Cantillana como Gastón, Antonia Zegers como Alessandra, Aline Küppenheim como Sonia, entre outros que são personagens sem desenvolvimento, pois estão ali apenas para servirem de escada para a atuação de Daniela Veja como Marina, o palco aqui é dessa mulher.

Vega merece um prêmio por esse papel, pois ela revela aos poucos muitas e muitas camadas, indo da raiva e indignação ao horror e o amor, profunda e especial, é como podemos definir sua performance, que nos faz simpatizar com a sua luta e a admirar cada vez mais, além de podermos ver uma atriz transexual tendo espaço para mostrar seu talento, o que é raro no limitado setor cinematográfico que dá poucas oportunidades para essas pessoas.

A direção de arte é comum, mas funcional, obedecendo ao que o filme pede, nos ambientado entre os diferentes locais que trazem realidades distintas, seja nas origens humildes do mundo de Marina ou até a alta sofisticação da rica família de Orlando. Tudo enfatiza o quão opostos eles eram, ajudando a entender muito bem a mensagem do longa.

Na fotografia temos uma direção muito boa, com o uso de closes fortes e impactante que captam a emoção profunda da luta dessa mulher, há também movimentos e enquadramentos incomuns e curiosos ao longo da obra, ao alternar entre esses dois momentos o filme se torna bem rebuscado e envolvente. Quanto às cores percebe-se a escolha de tons vibrantes e vivos na apresentação, onde conhecemos um pouco da relação de Marina e Orlando, a partir do momento de sua morte o filme ganha contornos frios, apáticos e com um certo uso de azul e sépia, dialogando com o drama que Marina passa a viver em seu dia-a-dia.

“Uma Mulher Fantástica” não é uma obra para todos, pois o que ela faz e muito bem é entregar um honesto espelho da sociedade preconceituosa e mesquinha, mostrando a desconfiança e descrença do amor de uma mulher transexual por um homem muito mais velho, mas não para por aí, o longa nos traz os vários níveis do preconceito, vindo do filho e da ex-mulher que abominam Marina, e até os médicos e investigadores, com seus olhares julgadores e desconfiados. Esse é um filme que deve ser divulgado e que ganhará força pela forte mensagem que trata.

REVER GERAL
Roteiro
8
Direção
9
Atuações
10
Direção de Fotografia
10
Direção de Arte
7
Nascido em São Joaquim da Barra interior de São Paulo, sou um escritor, cineasta e autor na Cine Mundo, um cinéfilo fã de Spielberg e Guillermo del Toro, viciado em séries, leitor de quadrinhos/mangás e entusiasta de animações.