“Carrie, A Estranha” foi o primeiro livro de Stephen King a ser publicado, sendo que na época o autor não tinha confiança no potencial da obra e chegou a jogar o manuscrito no lixo, quando sua mulher o resgatou, leu, e convenceu King a publicar. Após a publicação as vendas chegaram e não demorou muito para fecharem o contrato para a adaptação cinematográfica que no final das contas foi um ponto crucial para abrir as portas da indústria e permitir que King chegasse ao patamar que está hoje, considerado o “mestre do terror”.
Apesar de tal título carregado pelo autor, Carrie, assim como a grande maioria de suas obras, é voltada para uma tensão psicológica, que muitas vezes se mantém dentro de nossa realidade, explorando as limitações do ser humano de forma autêntica, extraindo o terror do nosso próprio mundo.
Em “Carrie, A Estranha” acompanhamos a vida de uma garota que cresceu norteada de valores conservadores e extremistas que a moldaram de forma divergente ao comportamento padrão vendido como “normal”, e consequentemente ela é extremamente coagida em todos os ambientes que frequenta, especialmente o escolar. O ápice do bullying é quando ela tem a sua menarca e por falta de conhecimento acredita estar tendo uma hemorragia, portanto entra em desespero e acaba sendo ridicularizada por todas as garotas presentes no vestiário.
Carrie é fisicamente descrita como uma garota comum, não necessariamente feia como muitos acreditam. No entanto diversos caprichos foram negligenciados por sua mãe fanática religiosa, sendo assim a garota costura suas próprias roupas, todas longas de forma a cobrir todo o seu corpo, portanto desprovida de qualquer ato de vaidade, por mais que essa não seja a sua escolha. Seus cabelos são longos e escondem boa parte de seu rosto, que ainda conta com diversas espinhas decorrentes da idade.
Semelhante ao que é feito na adaptação de 2002, aqui a narrativa se desenvolve de forma a reconstituir um acontecimento passado, o dito “caso Carrie White”, portanto conhecemos os diversos pontos de vista de cada um dos personagens, seja pelo próprio depoimento ou por manchetes de jornais ou entrevistas com parentes e amigos próximos. O formato pouco convencional causa estranhamento, mas funciona muito na hora de prender a atenção do leitor, de forma que o desfecho trágico não causa surpresa, já a forma com que o conflito é descrito não só choca, como também desmorona seu público.
A mãe de Carrie, Margaret, também possui um aprofundamento admirável aqui, pois nos permite entrar na cabeça da personagem e entender toda a loucura que constitui essa mulher, que assim como eu disse na crítica do filme de 1976, é a grande vilã da obra. Há também uma ausência de pretensão em dar nome a fé que a mulher segue, embora haja diversas figuras religiosas conhecidas, fica claro que o fanatismo dela não representa nenhum grupo, sendo uma marca única de sua essência doentia. É com esse devido aprofundamento que King nos convida a conhecer o passado de Carrie e como sua mãe a tratava desde o seu nascimento, expondo as violências físicas e psicológicas sofridas pela protagonista e como ela desenvolveu seus poderes e os reprimiu ao longo da vida.
Livro x Filme
Ao comparar as três adaptações da obra, podemos dizer que cada uma delas capturou momentos autênticos do livro e os moldou de sua forma. A versão de 2002 é a que mais traz elementos semelhantes a obra de King, porém de que adianta ser fiel aos detalhes, mas falhar na hora de transmitir a essência do texto? Isso a versão de 76 não faz. O filme dirigido por Brian de Palma toma moldes e caminhos distintos em seu desenvolvimento linear, mas consegue transmitir junto dos atores, toda a loucura de Margaret e a inocência de Carrie, ambas submersas nos temas complexos que são o bullying e o fanatismo, que independente do contexto, é sempre negativo para todos os envolvidos.
A versão mais recente (2013), se encontra em um meio termo de qualidade se comparada as duas anteriores, repassando com sucesso a mensagem nos moldes da sociedade atual, mas acrescentando novos traços em Carrie, que agora passa a ganhar maior controle de seus poderes, os usando de forma conveniente quando necessário.
Por fim, podemos concluir que essa obra mãe de Stephen King é indispensável para qualquer fã do gênero, e também para todos os leitores assíduos, afinal temos aqui um livro que com menos de 200 páginas nos entrega um material riquíssimo e uma reflexão necessária até os dias atuais.