“A vida não é brincadeira não.”

Essa frase proferida tantas vezes por Augusto Mendes (Vladimir Brichta), simboliza de certa forma a índole e o espírito do filme, apesar de um claro contraponto do ator que não leva nada a sério e possui uma vida de extremos agindo como se tudo fosse uma brincadeira desde sua ironia com as crenças da diretora Lucia (Leandra Leal), como também do uso exacerbado de álcool e drogas.

O longa busca narrar a vida surtada de Arlindo Barreto e sua relação pessoal com o sucesso e com a sua família, trocando alguns nomes, mas mantendo a essência da fonte de inspiração.

Na trama acompanhamos a história de Augusto Mendes (Vladimir Brichta), ator que adquire enorme sucesso na TV ao se tornar “Bingo”, um palhaço apresentador de programa infantil, no entanto por não poder revelar seu rosto devido à uma cláusula do contrato ele cai em frustração e se afunda nas drogas e em uma vida de excessos e loucuras.

O filme é muito bem resolvido em seu tempo, nos apresenta a personalidade e a realidade do ator de pornochanchadas que motivado por seu filho, decide buscar trabalhos melhores e acaba por cruzar seu caminho com um teste para o palhaço “Bingo” que mudou a sua vida para sempre.

É notável que o roteiro pega muitos elementos do clássico de P.T. Anderson “Boogies”, isso se dá tanto pelo intuito de sintetizar a euforia dos anos 80 que se mistura com a loucura da vida de Augusto Mendes, como pelo toque de humor negro, mas tudo isso se faz sem nunca ultrapassar o material de vida que se baseia em um filme rítmico, divertido, emocionante e bem montado.

O foco está nas transformações da personalidade de Mendes, o caos de sua mente e sua relação com o seu filho, esses diferentes elementos da produção sabem como se complementarem na história. Há também a relação amorosa que ele possui com a mãe e com a diretora do programa, ambas revelam lados do ator e ajudam a provocar diversas reviravoltas na trama.

Um outro elemento bem exposto pelo script está na forma como ambientam o espectador com o período temporal e as bizarrices aceitas pela TV brasileira daqueles tempos, além de nos mostrar a realidade de dentro das emissoras e da forma como tratam seus profissionais, com direito a algumas boas alfinetadas em uma certa rede “global”, que apesar de não serem o foco do filme, são essas situações pontuais que enriquecem e fazem o longa crescer cada vez mais.

Falado da trama, ela precisou de boas performances para funcionar, temos aqui nomes como: Emanuelle Araújo, Leandra Leal, Vladimir Brichta, Domingos Montagner, Tainá Muller, Augusto Madeira, Pedro Bial, entre outros.

Vladimir Brichta tem nesse papel uma das melhores atuações de sua carreira, pois Augusto Mendes é complexo, carismático e passa por diversas mudanças ao longo da vida, permitindo que ele se destaque indo do drama ao humor em segundos, sem jamais perder o tom e nem ao menos destoar do filme, Leandra Leal também está ali dando um show de atuação como Lucia, a moralista e toda certinha diretora do programa, que além de estar em uma boa química com Brichta, ambos dividem algumas das melhores cenas do filme e revelam muito de seus personagens através de suas interações. Ana Lúcia Torre faz a mãe de Augusto, Marta Mendes, uma senhora que ama os holofotes e intervém por sua família, é com ela que Vladimir também divide boas cenas. além de Augusto Madeira que está fazendo Vasconcelos, um papel mais cômico e caricato em uma amizade e parceria regada a muitas loucuras e mulheres. Tainá Muller interpreta Angelica, ex-mulher do palhaço “Bingo” que também contracena com o protagonista, mostrando-se aqui uma relação conflituosa e que traz à tona a realidade da vida de divorciado dos dois e da criação do filho. Pedro Bial como o produtor Armando da emissora “Mundial”, Domingos Montagner como um palhaço de circo e Emanuelle Araújo como Gretchen fazem pequenas participações pontuais e relevantes para o enredo.

Um dos pontos mais altos e um dos diferenciais do filme está na direção de fotografia, com cores e sombras que emulam os anos 80 em toda a sua glória de tonalidades, como uma maneira de sintetizar aquela época através de filtros criativos. Fora isso há ainda diversos enquadramentos e ângulos que captam as relações humanas dos personagens e o drama humano através de closes bem elaborados, que proporcionam uma viagem surreal pela insanidade dos excessos de drogas e da luxúria presentes no convívio de Mendes.

Em uma obra como essa que tenta reconstituir uma época especifica, é preciso também de uma boa direção de arte, e esse é claramente outro elemento bem-sucedido na produção, onde vemos circular muitos figurinos e cenários típicos, com todas as suas extravagâncias, além dos cenários reconstruídos das emissoras e de estabelecimentos, contando com muitos objetos de cena muito bem estruturados.

Mas é claro que cada um desses detalhes precisou de um comando seguro, organizado e autoral de Daniel Rezende, conhecido por ter editado “Tropa de Elite”, “Tropa de Elite 2”, “A Árvore da Vida” e “Robocop”. Aqui ele faz a sua estreia na direção e não havia melhor maneira de começar, Rezende tem controle de cada parte de sua obra, equilibrando-a com drama e humor, em uma viagem maluca pela realidade da TV brasileira oitentista, apimentada com sexo, drogas, e drama familiar.

“Bingo – O Rei das Manhãs” ao final nos deixa com um gosto doce e amargo em nosso paladar, nos diverte e nos faz chorar, mas essa produção faz mais do que isso. Ao controlar tão bem seu público e nos contar uma história tão impactante e brasileira optando por caminhos criativos para narrativa, o filme se consolida como um dos melhores filmes nacionais dos últimos tempos, além de evidenciar o nome de Daniel Rezende como um promissor diretor.

REVER GERAL
Roteiro
10
Direção
9
Atuações
9
Direção de Fotografia
9
Direção de Arte
10
Nascido em São Joaquim da Barra interior de São Paulo, sou um escritor, cineasta e autor na Cine Mundo, um cinéfilo fã de Spielberg e Guillermo del Toro, viciado em séries, leitor de quadrinhos/mangás e entusiasta de animações.