Crítica: Wonka

“Todas as coisas boas deste mundo começaram com um sonho.”

O otimismo e nossos sonhos podem prevalecer em uma sociedade tão enraizada em injustiças sociais? Essa é a grande pergunta que Wonka faz para seus personagens e para o público e a desenvolve ao longo de um musical fantástico que por mais que abrace a completa fantasia jamais perde de vista sua humanidade. Wonka talvez seja a maior surpresa de 2023, afinal quem iria suspeitar que uma prequel de A Fantástica Fábrica de Chocolate seria um filme tão bem realizado?

Mas Wonka não apenas se mostra uma excelente produção sendo totalmente fora da curva de blockbusters como também se trata de um filme com muito a dizer e muito a nos encantar, uma perfeita aula do que são espetáculos e de que projetos para toda a família jamais precisam menosprezar a capacidade do seu público.

Na trama vemos as primeiras aventuras do jovem e excêntrico Willy Wonka (Timothée Chalamet), um criativo e inocente mágico, inventor e chocolateiro que vai tentar a sorte e buscar seus sonhos na Galeria Gourmet. Porém, ele acaba com dívidas e precisando enfrentar o domínio de chocolates do monopólio de Slugworth (Paterson Joseph), Prodnose (Matt Lucas) e Fickelgruber (Mathew Baynton) enquanto forma uma amizade ao lado da pequena Noodle (Calah Lane).

Paul King é um diretor britânico que vem ganhando grande destaque com As Aventuras de Paddington e Paddington 2 (esse considerado por muitos um dos melhores filmes de todos os tempos), ele sabe como encantar seu público com personagens bobos e adoráveis, além de entender muito bem como contar histórias e como usar de ferramentas desde o uso de cenários práticos até na maneira como CGI é desenvolvido em seus longas.

Wonka é uma prova de todo seu talento e técnica, uma fantasia que nunca se torna cínica e acredita em tudo que faz da sua comédia até os extravagantes números musicais que exploram o melhor da atuação corporal e vozes de Calah Lane e Timothée Chalamet e da ideia que você está mergulhando em uma grande fábula sobre injustiças, sonhos e compaixão apoiado no visual deslumbrante da fotografia de Chung-hoon Chung.

A direção trabalha contando uma história extremamente lúdica e cheia de paixão com todo o espírito natalino, há momentos que lembram de Charles Dickens, clássicos da Disney, Steven Spielberg e Frank Capra e em outros parece ter o mesmo tipo de charme que veríamos em Nanny McPhee (2005) e Stardust (2007).

O roteiro de Simon Farnaby e Paul King é simples e repleto de inventividade, a história cria seus próprios conceitos que expandem todas as ideias de chocolates mágicos até lugares bem inesperados e conciliam bem vários personagens dentro dos temas principais. Há muita maturidade escondida dentro dos conflitos, a ideia de se ter sonhos, buscar sucesso e de repente presenciar uma sociedade corrupta em um sistema injusto que muitas vezes envolve diversas instituições está nessa fantasia.

O conflito crescente se dá entre o otimismo de Wonka com a realidade dura ao seu redor que envolvem corrupção, dívidas e as diferenças sociais, mas logicamente tudo isso dentro de uma lógica fantástica, cômica e para toda a família que parece um grande desenho animado sobre comunidade, compaixão e esperança.

Wonka é um musical em sentidos bem clássicos, as músicas muito bem feitas por Neil Hannon ao lado da trilha de Joby Talbot criam o tom e expressam as emoções do filme e até mesmo recriam a mágica do original de 1971 ao fazerem um uso bem melódico de “Pure Imagination” e sabem aproveitar os maravilhosos cenários nos números musicais e o complemento do CGI para evocar fantasia.

Mas o coração do filme está em Timothée Chalamet que pega esse personagem tão clássico e insere nele sua própria versão e esbanja carisma com sua versão doce, sonhadora e energética devido à uma performance perfeita do astro nas danças e belas canções. Mas com o tempo esse personagem também passa por desafios e dúvidas ao lado da amiga Noodle que enfrenta dramas de abandono em uma atuação impressionante de Calah Lane.

O elenco de apoio também acompanha muito bem, seja o timing cômico perfeito de Keegan-Michael Key, a presença vilanesca cartunesca de Olivia Colman ou na intensidade de Paterson Joseph, a sabedoria de Jim Carter e Hugh Grant também se mostra uma ótima adição como um Oompa- Loompa extremamente britânico em todos os seus gestos.

A nova versão de Willy Wonka é cinema fantástico na sua melhor forma possível, Timothée Chalamet e Paul King nos trazem uma atualização muito relacionável para millenials e a geração Z, mas também prestam respeito à obra e mostra um Willy Wonka enfrentando alguns dos grandes problemas que nós lidamos na vida real.

A saída de um mundo injusto talvez seja preencher ele de esperança com aqueles ao nosso lado e um pouco de imaginação.